de Virginia Woolf
"E enquanto eu estava a escrever, descobri que se fosse escrever livros, teria de travar uma batalha com um certo fantasma. E o fantasma era uma mulher, e quando vim a conhecê-la melhor, eu comecei a chamá-la como a heroína de um famoso poema, The Angel in the House.
Era ela que costumava aparecer entre mim e o papel quando eu estava a escrever. Era ela que me incomodava e roubava o meu tempo e atormentava-me, até que, acabei por matá-la.
(...)
Ela era intensamente sensível. Era imensamente encantadora. Era profundamente dedicada. Ela dominava todas as difíceis artes da vida familiar. Sacrificava-se diariamente. Se era galinha, ela ficava com a pata; se havia uma corrente de ar, ficava ela nesse luar - resumindo, ela era condescendente que nunca tinha uma ideia ou um desejo próprio - em vez disso preferia concordar sempre com as ideias e desejos dos outros.
Acima de tudo - nem preciso dizer - era pura. A pureza era considerada a sua maior beleza - o pudor das faces, era a sua maior qualidade.
(...)
E quando vim a escrever, encontrei-me com ela logo nas primeiras palavras. A sombra das suas asas caiu sobre a página; eu ouvi no quarto a roçar das suas saias, ao mesmo tempo, isto é, quando peguei na caneta para escrever aquele romance do homem famoso, ela deslizou por trás de mim e sussurrou: «Minha querida, és uma rapariga. Estás a escrever sobre um livro que foi escrito por um homem. Sê bondosa, sê terna, elogia, ilude, usa todas as artes e truques do teu sexo. Nunca deixes ninguém supor que tu tens vontade própria. Antes e acima de tudo, sê pura»
(...)
Eu voltei-me contra ela e agarrei-a pelo pescoço. Fiz o possível para matá-la. A minha alegação, se fosse levada a julgamento, seria a de que agi em legítima defesa. Se eu não a tivesse matado, ela ter-me-ia matado.
Ela teria arrancado o coração do meu texto. Porque, como percebi no momento que coloquei a caneta do papel, ninguém pode escrever sequer um romance, sem ter uma opinião sua, sem expressar o que pensa ser verdadeiro e digno nas relações humanas, na moral, no sexo.
(...)
... todas as vezes que eu sentia a sombra da sua asa ou a luz da sua aura radiante sobre a página, eu pegava no tinteiro de tinta e atirava sobre ela. Ela custou imenso a morrer.
A sua natureza fictícia era a sua mais valia. É muito mais difícil matar um fantasma, do que uma realidade. Curiosamente ela voltava, deslizando, quando eu pensava que a tinha eliminado.
(...)
... agora que ela se tinha escapado da falsidade, que a jovem só tinha que ser ela mesma.
Ah, mas o que é, "ela mesma?" Quer dizer, o que é uma mulher?
(...)
... quero que me imaginem a escrever um romance em estado de transe.
(...)
Ela estava a deixar a sua imaginação disparar desenfreada por entre todas as rochas e fendas do mundo que ficam submersas nas profundezas do nosso ser inconsciente.
(...)
A sua imaginação disparou. procurou as lagoas, as profundezas, os lugares escuros onde dorme o maior peixe. E de repente, um estrondo. Uma explosão. Espuma e confusão.
A imaginação tinha-se lançado contra algo duro. A menina foi despertada do seu sonho. Ela estava na verdade no estado de mais aguda e difícil aflição. para falar sem meias-palavras, ela tinha pensado em algo, algo sobre o seu corpo, não seria apropriado dizer. Os homens, a sua razão dizia, ficariam chocados.
(...)
O transe tinha acabado. A sua imaginação não podia funcionar mais. Eu acredito que isto seja uma experiência de mais. Eu acredito que isto seja uma experiência de facto comum com as mulheres escritoras - elas são empurradas pelo extremo convencional do outro sexo. Porque apesar de os homens sensatamente se permitirem grande liberdade nesse aspecto, eu duvido que eles percebam ou possam controlar a extrema severidade com que condenam tal liberdade nas mulheres.
(...)
Ela ainda tem muitos fantasmas com que lutar, muitos preconceitos para superar. Na verdade, creio que ainda passará um longo tempo antes que uma mulher possa sentar-se para escrever um livro sem encontrar um fantasma para ser assassinado, ou uma rocha para ser esmagada."
1 comentário:
Como tenho andado com o teclado de casa marado (as teclas "a" e "y" não funcionam) n tenho deixado comentários...
Realmente concordo... a espaços pareces a Virginia Woolf q, diga-se de passagem, é uma das minhas escritoras favoritas :)
Adorei estes pequenos excertos, beijos
Nuno.
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